sexta-feira, 26 de março de 2010

É capaz de ter aprendido

Por imperativos de frigorífico, eis que faço a romaria ao hipermercado (sempre depois das 22H00, que é quando já não tenho que andar aos encontrões a ninguém, não tenho que cumprimentar ninguém e posso dar largas à minha excentricidade quase à vontade). Quase quase a acabar, lembro-me que falta apenas guarnecer-me do sumo da minha predilecção, companheiro fiel de refeições vespertinas, lanches e pequenos-almoços (que ao jantar não dispenso um bom vinho).
Corredor acima...
Corredor abaixo...
Nada...
Queres ver que deixaram de vender?
Entretanto reparo que está uma "repositora" em cima de um banquinho a tratar de voltar a atafulhar as prateleiras. E se eu fosse lá perguntar?
A partir daí... bem.... foi isto:

Eu - Boa Noite!
Ela - .......
- Desculpe, já não há o sumo xpto?
- .......
- Há! Está mesmo à sua frente! Não se importa?
- ......
- Desculpe-me, só há este?
- ......

Imediatamente a seguir e ao lado dela, saco do telemóvel, simulo a marcação de um número e bem alto digo:
- Sim? Olha (relatando a situação e constatando que gente que também estava no corredor ia permanecendo para ouvir os meus berros/conversa telefónica simulada), tenho que mandar um mail para aqui e para os serviços centrais da sonae a dar os parabéns pelo facto de contratarem cidadãos mudos. Acho que sim. É mesmo bom saber que dão oportunidades de trabalho. É um exemplo a seguir. Sim, porque ou é muda ou é uma grande mal-educadona!!!

E ouço uma voz:

- Eu não sou muda!

- Então desde já fica a saber o que é e o que lhe resta ser na sua humana condição.

E juro que no meu imaginário ouvi uma ovação em pé enquanto sumia calmamente corredor fora.

É capaz de ter aprendido.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O Gajo anda mesmo deprimido (ou o primeiro dia do resto da minha vida)

Nota prévia: A continuar com a produtividade que tenho apresentado neste blog, um dia destes convidam-me para deputado ou para a REN. Vou evitar ao máximo que isso aconteça.



Pois é. Algum dia tinha que acontecer.
Desde que há uns anos assumi a minha metrosexualidade (e sim, confirmo que nós, metrosexuais cuidamos da nossa aparência, compramos e usamos bons produtos quer a nível de roupa, quer a nível de higiene, perfumaria e cosmética masculina. Sim, frequentamos healht clubs e temos muito cuidado com a alimentação. Sim, adoramos entrar e gozar um bom tratamento num SPA). Tudo isto tem por premissa não propriamente o efeito perante quem vê (também muito importante), mas sobretudo, no que a mim me diz respeito, o sentir-me bem comigo mesmo.
Por uma questão não só de estilo (dizem que fica bem), mas honestamente por comodidade, a minha barba tem sempre alguns dias.
Mas há coisas que são inevitáveis, há coisas que nem os cuidados pessoais nem a cosmética conseguem evitar.
Há desilusões que nos batem como se fosse um murro bem dado nas fuças.
Há sensações únicas de um momento que nos marcarão para o resto da vida.
Há surpresas desagradáveis, inevitáveis é certo, mas que nunca pensamos que nos vão acontecer.
E de um momento para o outro, assim sem aviso, as coisas acontecem. E não se sabe o que fazer, não se sabe como reagir. Fica-se sem forças, sem ideias, tudo parece que se vai precipitar a partir daí.
O que será a partir de agora? Mil ideias por segundo surgem, desde as que parecem mais estúpidas às mais brilhantes. Mas no fim, o mesmo vazio, o mesmo silêncio, a sensação de impotência, a força do que tem mais força do que nós.

Hoje, na minha barba de 4 dias, encontrei o meu primeiro pêlo branco.

quinta-feira, 11 de março de 2010

6 anos que não se podem esquecer

Para clicar e ir ouvindo enquanto se reflecte sobre o assunto.



Esta é a brilhante música que os "La Oreja de Van Gogh" criaram para homenagear as vítimas do Atentado de 11 de Março em Madrid.


Já foi há seis anos... mas há que coisas que ficam presentes para sempre.

Acordei naquele dia 11 de Março de 2004 muito cedo num Hotel Albicastrense. Duas reuniões de manhã, almoço em Espanha, mais reuniões de tarde e regressar a casa. Liguei a Tv ainda no quarto e as primeiras informações, muito confusas, alertavam para que algo de muito errado se tinha passado na Estação de Atocha, Madrid. Não percebi muito bem o que tinha acontecido. Pouco depois do pequeno-almoço subo novamente ao quarto e aí as informações já eram muito mais claras. Tinha havido um atentado (da ETA, aventava-se erroneamente) nessa Estação. Mas a informação ainda assim era escassa.

Durante a reunião da manhã lembro-me de estar a pensar em tudo o que poderia ter acontecido, e que queria ir para algum sítio onde pudesse ter mais informação.

Já na estrada, a caminho de Espanha as informações que as rádios debitavam davam já a real dimensão da dura realidade.

SONI!!!!!!!!!!


SONI! Páro o carro e peguei a tremer no telemóvel tentando encontrar o número dela. SONI!
Do outro lado, nada. Nem tocava.
Calma, pensei. É natural. Com uma catástrofe desta dimensão as antenas devem estar mais que sobrecarregadas. Está tudo bem, de certeza.
Mas a angústia não passava. Já em Espanha, a consternação dos rostos de todos por quem passava, as imediatamente postas bandeiras a meia-haste, o silêncio nas ruas fazia tudo pesado. Muito pesado.
Consegui falar com ela. Estava bem. A viagem que ainda hoje faz diariamente até Madrid é para a Estação de Chamartín e não para a de Atocha. Estava muito assustada. A cidade estava em estado de sítio e paradoxalmente mergulhada num estranho silêncio apenas interrompido pelas sirenes de ambulâncias, bombeiros e polícia.
Ela estava bem.

Mas outros não. Eu não conhecia ninguém. Ela cohecia. Mas para mim era como se conhecesse cada um dos que sucumbiram naqueles comboios, naquela estação.

Raio de Cobardes de Merda, que não são homens suficientes para dar a cara. Ratazanas terroristas sem rosto. Que são os piores, os mais perigosos. Não se pode corajosamente combater quem cobardemente esconde o rosto.


E ainda hoje penso nos milhares de sonhos, nos milhares de planos que deixaram de se realizar naquele momento. Naquele dia.

Aquele que ia para o seu primeiro dia de trabalho, perfumado e contente. Aquela que ia visitar uma amiga que já não via há anos, aquele que ia para uma reunião importante, aquela que ia a uma consulta, aquele que ia saber um resultado de um concurso, aquela que ia para a escola, aquele que ia finalmente passear por Madrid, aquela que ia comprar um brinquedo novo para o filho, aquele que ia ver o outro ao hospital. Sei lá. Eram todos de carne e osso como eu, imbuídos nos pensamentos de quem está mesmo a chegar ao seu destino, vai começar o seu dia, vai continuar com a sua vida.

Mas o destino chegou antes deles, o dia não começou e a vida, essa, acabou.


In Memoriam