O mal de ter costumes instituídos desde mais tenra idade quanto à higiene das orelhas e ouvidos é um tipo sujeitar-se a ouvir o que quer e o que não quer.
Estava eu sentado na esplanada do café aqui à porta de casa, quando na mesa ao lado se sentaram três sujeitos na casa dos vinte e muito poucos. Não fiz por ouvir a conversa, mas o volume era tal que era impossível não o fazer.
Eram vendedores, promotores ou comerciais de uma operadora de televisão por cabo. Por acaso é a empresa com a qual contratei o serviço cá de casa e com a qual não estou minimamente satisfeito, mas isso são contas de outro rosário.
Bem sei que são explorados, bem sei que muitas vezes são empregos (precários) de recurso quando a licenciatura que eventualmente têm não lhes proporcionou a vida profissional que sempre almejaram, bem sei que lhes incutem valores com os quais não concordo, bem sei que recebem parte substancial da remuneração em regime de comissões. Bem sei.
Mas isso não implica nem legitima que tratem as pessoas que acedem a abrir-lhes a porta e a ouvi-los, que no fundo são quem os sustenta, como se de otários de tratassem.
A estas alminhas já lhes corre no sangue a filosofia do mais vale enganar que ser sério. Discorreram em alta voz sobre as casas que visitaram, teceram comentários sobre o que as pessoas tinham em casa e seus gostos de decoração, sobre o aspecto físico das pessoas, gozaram que nem perdidos com o contrato que conseguiram “sacar” a uma “velhota” de 76 anos. Que a puseram com 100 canais e internet de 10Mb com tráfego ilimitado. Essa senhora poderia ser a Avó deles, e já não há o mínimo de discernimento e respeito por quem já não tem idade para (nem merece) ser enganado.
Essa senhora podia ser minha familiar, amiga, conhecida ou afim. Duvido que essa senhora saiba sequer onde se liga um computador, quanto mais para que serve a internet.
E os energúmenos debitavam, entre gargalhadas, estórias (que não histórias) das suas hercúleas façanhas da arte de enganar.
Para dizer a verdade, no fim da conversa, só me apeteceu rescindir o meu contrato, e reduzir-me à realidade com que nasci e cresci no período fulcral da formação da minha personalidade, que foram os canais em sinal aberto (e durante alguns anos, apenas os dois estatais). E não me fez mal nenhum.
Por essa senhora, que agora se vê com papéis auto-copiativos de várias cores com a sua assinatura no fundo, com versos cheios de letras pequeninas que nunca conseguirá ler, sem ter percebido ainda muito bem o que fez, sinto-me triste.
Por esta história (que não estória) entrou-me uma pedrinha na alma . E sabe Deus quão difícil será tirá-la de lá.
Tu és tão bonito e escreves tão bem que me emocionas profundamente.
ResponderEliminarE bem sabes que nós, as burguesas, não nos emocionamos com facilidade.
Que honra que é ter-te na minha vida!!
Não sei como conseguem ter paz "pessoas" assim.
ResponderEliminarGostei muito da pedrinha na alma...que bonito, vou "adoptar", posso?
Um abraço*
Cara JS:
ResponderEliminarClaro! À Vontade!
E obrigado pela visita.
Soubesse eu "espelhar" todas as pedrinhas que me entram na alma,da forma como o li aqui.
ResponderEliminarPorém, apesar de tudo, há que lembrar que a "avó" passou a usufruir do canal Benfica, e não há dinheiro que pague isso, não é, Disse(estéis)?...
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