Sempre ouvi dizer que a Dona Natália lá entrou em casa quando eu fiz um ano de idade. Naturalmente não me lembro. Mas lembro-me que desde que comecei a lembrar-me das coisas a Dona Natália estave lá. Sempre.
A Dona Natália lavou-me fraldas, cueiros e demais roupa (interior ou nem por isso).
A Dona Natália viu-me ir para o colégio. Foi levar-me buscar-me. A mim, petiz metido dentro daquele bibe que mudava de cor consoante o ano.
A Dona Natália viu-me ir para todos os graus de ensino. Viu o meu primeiro espalho de bicicleta e viu-me orgulhoso no primeiro dia que conduzi um carro.
A Dona Natália viu-me ir para a faculdade e lavou-me peças de roupa meio vomitadas depois de "sabatinas de estudo", especialmente ao fim-de-semana. Viu-me licenciado e viu-me sair de casa dos meus pais.
A Dona Natália, cuja história pessoal se funde com a nossa história naquela casa, desde sempre e até ao dia em que de lá saí, tratou-me por "menino".
Chegou a ser a causadora de eu me ter tornado alvo de chacota durante uns tempos. Depois de licenciado, já a trabalhar, mas ainda em casa dos meus pais, um dia toca o telefone. Uma chamada profissional. Perguntam pelo dr. Disse. Como sempre, e sem mácula, a Dona Natália responde: "Só um bocadinho, que vou ver se o menino já acordou".
A Dona Natália batia à porta do meu quarto de manhã. Perguntava se podia entrar e trazia-me o pequeno-almoço. Sempre o que eu mais gostava.
Nunca se esqueceu de um aniversário meu e sempre me oferecia qualquer coisa feita por ela.
Mas a idade limitou-lhe os movimentos e embora contrariada, decidiu que era hora de parar de trabalhar. De ir para sua casa. De descansar.
Faz agora dois anos que saiu.
Um dia destes fui almoçar a casa dos meus pais.
Quando saí do carro reparei que estava alguém nas traseiras do prédio, nas escadas para o terraço. A figura era-me familiar. Aproximei-me. Era a Dona Natália. Sentada nas escadas chorava.
Que se passa Dona Natália?
Ó menino que não quero que me veja assim. Ó menino que cada vez que aqui passo não me aguento e choro. Ó menino que saudades. Ó menino que infelicidade já não poder trabalhar. Ó menino que vocês me fazem tanta falta.
E eu sentei-me nas escadas ao lado da Dona Natália. E abracei-a.
Obrigado, Dona Natália. Por tudo.