Aquele que tem nome de planeta foi encontrado há muitos anos nas ruas de Cotonou, abandonado como tantas outras centenas de crianças com tenra idade por ali. Por nao haver dinheiro para as sustentar, por não terem ainda força suficiente, ou simplesmente porque não cabem naquilo a que chamam "casa".
Foi recolhido por frades franciscanos que têm um projecto de acolhimento e desenvolvimento. Daqueles que não são pedófilos (que os há e tantíssimos), que há mais de 20 anos deixaram a sua Europa e não regressaram e provavelmente nem as suas cinzas para cá voltarão. Daqueles que abraçaram a sua vocação e a incorporaram no dar a vida pelos outros. Uma missão de vida e para toda a vida.
Aquele que tem nome de planeta cresceu naquele centro de acolhimento, aprendeu um ofício, tornou-se educador dos mais novitos que iam chegando. Ali naquele centro pode durante muitas semanas não haver carne ou legumes frescos, mas não falta afecto, amor e um sentimento de protecção e fraternidade. Um lar.
Aquele que tem nome de planeta está doente. E graças a uma pessoa que foi como voluntária para lá durante uns meses, agora está na Europa para lhe serem feitos exames, intervenções cirúrgicas e os tratamentos que necessitar.
Mas nem tudo são rosas para aquele que tem nome de planeta.
Para lhe darem o visto e ser autorizado a sair do seu país até um ministro do Benim telefonou pessoalmente para o Hospital a fim de saber se era verdade que os exames estavam marcados.
Aquele que tem nome de planeta tem uma doença estranha e rara. Dizem que são tumores, mas que em teoria não são malignos pois com sete anos consecutivos de bolsas de carne a sairem do corpo, se fosse maligno já estaria morto.
Está em Espanha. Tudo é estranho. Tudo é confuso.
E nas primeiras duas semanas tem sido muito complicado. Está numa casa particular, da voluntária, e tudo é muito estranho. É como ter uma criança e um idoso com alzheimer na mesma pessoa.
De um primeiro momento de susto e medo pelo tamanho dos prédios, pela quantidade de carros , sons e odores completamente novos, estranhos, e nem todos bons, até ao caos organizado do quotidiano urbano. Tudo é novo e assustador.
E é ter que explicar que não é magia nem produto diferente da fatia de pão que se coloca numa torradeira o que de lá sai.
É explicar que não são as paredes que se movem, antes uma caixa onde cabe gente dentro que é elevada ou descida de alturas diferentes para facilitar a mobilidade. E que não vai acontecer nada de mal naquele cubículo. E que se chama elevador.
É ter paciência infinita para explicar o que são e qual a diferença entre um frigorífico e uma máquina de lavar a louça. E entre esta e a máquina de lavar a roupa. E que não, não é a melhor solução meter os cereais (que servem para comer, aquelas partículas estranhas) dentro da máquina de lavar a louça e que não vale a pena pôr panelas e roupa suja juntas.
E é ver um sofrimento humano, contido numa débil condição física que mesmo aprendendo a vida da ocidental Europa à velocidade da luz, sente falta dos cheiros e das vistas de África. De alguém que não ousa sair sozinho de casa com medo do que este louco mundo lhe pode fazer lá fora. E assim, cirandando entre quatro paredes, no silêncio do sofrimento na carne, começa a sentir a dor na alma - mais difícil de domar e que nenhum analgésico consegue diminuir - e ora se refugia nos braços de morfeu durante horas sem fim, ou qual criança, goza da magia de uma "play station" que não percebe como funciona mas o que interessa é que há uma vida ali que o faz esquecer a vida real.
Aquele que tem nome de planeta já fez análises, biópsias, exames, no meio de curandeiros estranhos que não cantam nem dançam enquanto estão à sua volta. Num ambiente totalmente asséptico mas muito pouco ascético, sem fogueiras nem animais, sem sol, sem mar.
Aquele que tem nome de planeta está à espera dos resultados a qualquer momento.
Aquele que tem nome de planeta está à espera que os curandeiros esquisitos ditem a sua sentença. Que seja qual for, quererá cumprir no chão da sua terra, com os cheiros com que nasceu, debaixo do sol que o fez ser como é.