Parte III - Na Rua
Estou farto.
Estou farto de não poder passar à vontade nos passeios porque estão cheios de carros e ninguém se rala desde que se esteja bem.
Estou farto de ouvir gente que não sabe falar mas só berrar ao telemóvel no meio da rua ou numa esplanada em que fico a saber (e juro que não quero) toda a infeliz vida das criaturas.
Estou farto de tristes que se põem numa caixa multibanco e, com imensa gente na fila agem como se fossem os únicos, e aproveitam para pagar as suas contas da água, da luz, do gás, juntamente também com as contas do primo do amigo do avô do vizinho de cima.
Estou farto de ver gente a mandar lixo para o chão, desde já confessando que nos últimos tempos cada vez que alguém à minha frente deita alguma coisa para o chão, apanho, vou a correr entregar dizendo “olhe, deixou cair isto, pois não acredito que seja pessoa de deitar lixo para o chão...”. E adoro ver a imbecil cara que as pessoas fazem e as desculpas que arranjam ao verem-se confrontadas com a sua imundície e a sua condição de badalhocas.
Estou farto de ser confundido com um bebedolas logo às oito da manhã só porque tenho que andar aos “esses” para evitar pisar o cócó dos cãezinhos dos outros. Logo eu que começo as minhas manhãs a apanhar a merda que o meu cão faz (haverá maior simbolismo Nacional para começar o dia?) Estou farto de tentar seguir e espiar os porcos dos donos dos outros cães e não conseguir descobrir onde moram, que um dia dou-me ao trabalho de apanhar também os montes dos cães deles (que às vezes parecem de vitelas) e deixar-lhos à porta . Sem saco, “au naturale”.
Estou farto de levar encontrões na rua de gente estúpida e arrogante que não pára sequer para pedir desculpa, fazendo-me sentir clandestino na minha cidade.
Estou farto de já ter decidido e no fim não ter coragem (porque respeito em demasia os invisuais) de pegar no cão e nos óculos escuros, arranjar uma vara daquelas que aleijam a valer, e ir rua fora armado em cego e cada ver que vejo um ou uma anormal que não consegue viver em sociedade.... zás zás zás.... pam pam pam..., arrear-lhe com a vara nas costas ao mesmo tempo que grito “Era aqui! Juro que era aqui a porta!“, fazendo de conta que não sei o que estou a fazer.
Estou farto que seja in ser mal-educado e pensar que foi abolida ou proibida a palavra “obrigado” (e ninguém me avisou), quando se abre ou segura uma qualquer porta ou se deixa alguém passar à frente, situações em que ponho quem está à minha volta a olhar para mim, pois não consigo deixar de berrar um “Não tem nada que agradecer! Um criado ao seu serviço!”
Estou farto de viver na “escarralândia” e na “paredomijalândia”.
Estou farto de ver criaturinhas impertinentes a empanturrarem-se de fast-food ao mesmo tempo que vão deixando os copos, sacos, papéis e embalagens por onde vão passando, dando-me vontade de os obrigar a meter tudo aquilo comodamente pelo recto acima.
Estou farto de Deus não me ter dado o dom de ser capaz de treinar pombas para que em voo picado acertassem com cagadelas nesta gente toda e eu ficar-me a rir.
Deus me dê paciência, porque se calha a enganar-se e dar-me força, não responderei por mim.