terça-feira, 29 de setembro de 2009

Diálogos impossíveis... mas reais II

8 da manhã.
Ainda com o cérebro a dormir profundamente, sintomatologia somali no estômago e bexiga prestes a transformar-se em hérnia, vislumbro com muita dificuldade (dada a hora pornográfica) o panorama da sala de espera do laboratório de análises clínicas.
Respiro fundo de tranquilidade: tudo normal e tudo no sítio, que é como quem diz paredes a precisar urgentemente de pintura, revistas do tempo em que a imprensa ainda não tinha sido inventada, necessariamente em cima duma mesa com tampo de vidro baço (não! não é baço! Aquilo são dedadas!), e a televisão, sem som, ligada num canal impossível de identificar, tal a qualidade da imagem.
Os meus companheiros de sevícias são todos muito discretos, mas fixo-me numa senhora de mais idade. Vem dos arredores.
É uma imagem que sempre me enternece, ver essas senhoras que vêm de fora da cidade, de sítios mais rurais, e que vestem roupas que certamente são retiradas do armário para ocasiões especiais e para vir à cidade.
Mas o telurismo que lhe corre nas veias fareja-se à distância. Não só pela indumentária, mas também e sobretudo pela postura corporal humilde e quase submissa com que se senta na cadeira, “saca plástica” carregadinha de medicamentos (não consigo imaginar porque os leva, mas há coisas que é melhor não saber), e as socas calçadas, que mesmo com o calor não há coisa mais confortável.
O tempo vai passando e a senhora demonstra nitidamente sinais de agitação e nervosismo.
Depois de ter conversado com outra que estava a seu lado (e todos ficámos a saber tudo acerca dela, das doenças de que padece, da família, do marido e respectivos problemas com o álcool, das raparigas que agora são piores que os rapazes, do fogão novo que comprou na “Vórti”, do filho emigrado na Suiça que está desempregado, veja lá...) já quase que saltita na cadeira.

De repente, levanta-se e dirige-se à recepcionista perguntando:

- Onde é a casa-de-banho?
- É ao fundo à direita. Mas não vai urinar, pois não?
- O quê?
- Não vai urinar pois não? É que não pode...
- Não! Vou lá agora! Vou é mandar uma mijadela que já não aguento mais!

E foi.

4 comentários:

  1. Isso é que é sinceridade logo pela manhã... =)

    ResponderEliminar
  2. Tanto que se me apraz dizer...
    Desde logo, é oficial que escreves divinamente. Divinamente do verbo um dia ainda vou ter um livro teu autografado. Com os devidos direitos de autor protegidos, bem entendido.
    Depois que, de facto, somos olhos de água. Eu própria fui fazer análises hoje de manhã, mas fui àquela pequenina deliciosa que nos é comum. Sexta feira logo te direi se vais ser padrinho... ahahahahah

    Quanto à tua rural compincha de buraquinhos braçais e buçais, mais te digo que ainda ela não ter plasticos nas carpetes é uma sorte. Disso nao indagaste tu, aposto...

    Escreve divinamente e o meu orgulho em ti transborda todos os dias mais.

    ResponderEliminar
  3. Esta tua história fez-me lembrar uma a que assisti pessoalmente. Um senhor entrou numa pastelaria e perguntou ao funcionário:

    - Posso ir verter àguas?
    E o funcionário respondeu:

    - Frescas ou naturais???

    Acredito que se perguntasse se podia dar uma mijadela, seria entendido à primeira!!!

    Isso é o que eu chamo começar bem o dia.

    Um abraço*

    ResponderEliminar