quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Notas de uma viagem III


Cheguei a casa.



E agora começarei novo relato destes dias. Com direito a imagens. O que vai escrito foi o que escrevi em cada dia, no meu caderno de folhas pardas, daquelas com que se faziam os cartuchos que embrulhavam os rebuçados nas aldeias quando eu era muito mais jovem e passava férias numa dessas perdida por aí. Tirando uns apartes pessoais reproduzo aqui, para o bem ou para o mal, ipsis verbis, o que fui sentindo nestes dias.

Mas vou voltar atrás. Eis o Alfa, pois no princípio sempre foi o Verbo...

Vou. Está quase. São praticamente onze da noite. Num misto de cansaço e adrenalina deixo-me levar pelos sons inebriantes e típicos de um aeroporto, com a voz dos anúncios dos voos, o rolar de "trolleys" de bagagem de mão num chão que só ele sabe fazer aquele barulho, as correrias dos atrasados, os nervosos olhares de muitos para as duty free shops à procura daquela última lembrança para este ou aquele, crianças que choram, adultos que disfarçam lágrimas, "laptops" abertos e as suas teclas a serem freneticamente marteladas com um último e-mail, um último relatório, um último post, olhos que percorrem os monitores informativos.
Como sempre, sento-me suficientemente afastado da porta de embarque para contemplar todo este caos organizado. Não consigo. Nunca consegui estar na fila para o embarque. Parece que todos correm, querem ser líderes numa corrida onde não há prémio para os que chegam primeiro. Têm lugar marcado, como eu, mas parece que se esquecem disso, e esperam, desesperam, minutos que parecem eternidades.
Já está. Só falto eu. Levantei-me, fiz uma última chamada, desliguei os telemóveis e apresentei passaporte e talão de embarque.
Contemplei o pássaro que me levará, fiz-lhe as festinhas, carícias e pancadinhas na fuselagem que me dão conforto e segurança (faz parte das minhas manias) e entro.
Como é óbvio e evidente, e porque sou o último ou dos últimos a entrar, não tive espaço para a minha bagagem de mão. Quem estava perto do meu lugar olhou para mim com um ar de "tivesses vindo mais cedo que eu estive feito parvo quase 15 minutos de pé na fila para alguma coisa foi". Invariavelmente também chamei alguém da tripulação. Exibi a minha bagagem de mão, apontei para o sítio onde ela deveria caber, encolhi os ombros, suspirei fundo e entreguei ao comissário de bordo, que a levou, como quase sempre, para o lugar onde guardam a deles, e sei que ma trará no fim da viagem. Rosnam-me baixinho. Eu ouço e regozijo.
Faço agora a minha oração.
Parto.

16 comentários:

  1. Estou sentado a aguardar o Beta!
    Espero que a viagem tenha sido o que de bom dela se esperava!
    Bom Regresso à blogosfera!
    Cumprimentos:

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  2. Bem vindo :)
    E por este relato,vou estar "grudada" à espera de mais.
    beijinho

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  3. Gosto das pancadinhas na fuselagem. Ela nunca te mandou umas de volta?? XDD
    Aguardo continuação! :-))

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  4. Também tenh essa estratégia de ser dos últimos a entrar... e dos últimos a sair. :-D

    Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos!

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  5. Tenho a dizer-te que se nunca aqui tivesse vindo, se não soubesse já que escrevias bem como tudo, só por este post retornaria uma e outra vez. As vezes necessárias até sentir o copo completamente cheio.
    Tu és um navegador solitário? Este texto merecia esse título :)
    Aguardo a continuação das páginas de papel pardo aqui na blogosfera...

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  6. Seja benvindo!
    A sua descrição da partida está perfeita. Eu sou boa observadora e costumo estar atenta a tudo o que disse, temos algo em comum, sou sempre das últimas a entrar no avião, detesto filas...e o meu lugar está lá...
    Abracinho

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  7. Rui:

    Muito obrigado. Sim, foi muito boa. Cumprimentos.

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  8. Anna^

    Obrigado. Espero não decepcionar...

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  9. Malena:

    Antes pelo contrário. "É tipo quanto mais me bates mais eu gosto de ti..." :)

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  10. Armilar:

    É de facto o que eu faço. Também ao sair. Com calma, sem pressas.

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  11. S*:

    Espero continuar a corresponder... ;)

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  12. Ana C:

    Obrigado. Esse elogio fez-me corar. Sim, muitas vezes sou um navegador solitário. E gosto. Mais logo continuo.

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  13. Maria Teresa:

    Muito obrigado. É exactamente como diz. Mas há quem não perceba.

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